quarta-feira, 27 de abril de 2011

Carta de Andrea a Penelope - Baunilha e Chocolate

Querida Pénelópe,
Li a tua carta uma infinidade de vezes. Estou surpreendido e magoado. Nunca esperaria de ti uma pancada assim. Conheço a tua honestidade, por isso sei que escreveste sinceramente aquilo que pensas. Mas, com a mesma sinceridade, devo dizer-te que não sou o monstro que descreves.
Hoje de manhã, quando acordei e não te encontrei, senti-me como uma criança abandonada.
Depois, comecei a reflectir.
Naquele dia comportei-me como um imbecil, insistindo em negar a estúpida história com a Stefama e destruindo o vidro da porta.
Foi sempre o medo de te perder que me fez reagir com violência. Os modelos da família de que provenho devem ter tido o seu peso nisto tudo. Não é uma justificação, é uma explicação.
Depois de ler a tua carta, pensei que tinha enlouquecido. Precisei de várias horas para perceber que só um grande sofrimento te poderia ter empurrado para uma decisão tão drástica.
Proibiste-me de te ir buscar. Recusas-te a falar comigo ao telefone. Em suma, puseste-me de castigo. Espero sinceramente demonstrar-te que posso mudar. Pela primeira vez, creio ter sido sincero com os nossos filhos. Tive de o ser porque aquelas três pestes me fizeram compreender claramente que me consideram responsável pela tua fuga. Posso não lhes dar razão?
Querida Pepe, fiz-te sofrer, mas nunca deixei de te amar. Lembro-me de quando fomos a Verona. Tu estavas grávida da Lucia.
Era Janeiro. Estava tanto frio que puseram um aquecedor no nosso quarto de hotel. Eu tinha de entrevistar Patty Pravo, que não compareceu ao encontro, mandando dizer-me pelo seu agente que estava cansada e tinha dores de cabeça. Fui ter contigo ao restaurante, à hora de jantar. Estava muito
aborrecido. Um maa"tre eficientíssimo propôs-nos um "bacalhau em estufado lento sobre cama de polenta". A descrição fascinou-nos. No fim da refeição eclipsaste-te por causa de um telefonema. Depois regressaste à mesa com um ar triunfante.
- O café, vamos tomá-lo no hotel - anunciaste. - Patty Pravo está à tua espera no bar. Entraste como autora de letras no mundo da música ligeira e abandonaste-o rapidamente, mas conservaste algumas amizades. Patty Pravo era uma delas. Naquele momento irritei-me porque tinhas conseguido uma coisa em que eu tinha falhado. Depois, prevaleceu a gratidão. Fiz a minha entrevista e escrevi uma boa peça. Naquele dia, ao fim de um passeio entre a Igreja de Santa Anastasia e a praça Bra, entrámos na loja de um antiquário.
Ofereci-te um pequeno colar do século XIX, feito com pérolas e granadas ligadas por uma malha de ouro escuro. Usaste-o até ao momento do parto. Depois nunca mais o vi. O que lhe aconteceu?
Regressámos ao nosso lindíssimo quarto, cheios de frio e felizes. Enfiámo-nos por baixo dos cobertores de lã e, para te aquecer, apertei-te entre os meus braços até que adormeceste. Então levantei-me e afastei a cortina da janela. Vi que estava a nevar. Acordei-te. Ficámos atrás dos vidros, abraçados, a olhar o espectáculo dos flocos brancos que caíam, silenciosos.
A praça, os carros estacionados, os telhados das casas, tudo ia ficando branco. E nós os dois, muito juntos, com o coração a rebentar de felicidade, sussurrávamos um ao outro palavras de amor.
Os problemas, entre nós, começaram depois. Quando nasceu a Lucia, passavas os dias e as noites com ela nos braços. Já não tinhas tempo para mim. Senti-me excluído. Em casa apareciam a toda a hora a tua mãe e as tuas amigas. Passavas horas a conversar com elas e a fazer festas à menina. Comigo falavas a custo.
Passavas mais tempo com a Sofia do que comigo. Sempre soubeste da hostilidade que há entre nós os dois. Ela considera-me vazio, e eu sei que ela é uma presunçosa da pior espécie. Nunca percebi como podes ser amiga daquela palerma, de horizontes e aspirações limitados. Falo da Sofia porque tive a suspeita de que pudesse ter pesado na tua decisão de partir. Depois de tudo, não poderíamos olhar-nos nos olhos, tu e eu, e esclarecer honestamente os nossos problemas? Não, não podíamos. Lembro-me de quantas vezes tentaste ter uma conversa séria comigo, sem nunca teres conseguido, porque eu tinha medo de enfrentar isso.
Só agora me dou conta de como são problemáticos os nossos filhos e sei que tenho as minhas responsabilidades em tudo isto. Ia escrever: "as minhas culpas", mas ainda não consigo. Estou a sofrer mais do que imaginas. Deixaste-me perante um mar de problemas que não sei como enfrentar. Para não falar das questões práticas que para ti, certamente, são banalidades. Pensa no zoo desta casa, por exemplo. Quantas vezes por dia é preciso levar o cão à rua? É mesmo necessário que durma com o Luca? Como é que se prepara a comida dele? O Cip e o Ciop, como é que se trata deles? Achas que a Priscilla sabe alguma coisa disso? E os peixes? Luca disse-me que a fêmea vermelha está grávida e que é preciso preparar no aquário uma rede para isolar os peixinhos, para evitar que os grandes os comam. Isto é o que diz o Luca. Será verdade? E onde é que vou encontrar a rede? Por sorte, é o Daniele quem se ocupa pessoalmente da Igor, aquela cobra nojenta. Depois há os outros problemas todos: o psicólogo e as aulas de flamenco da Lucia, o infantário e as aulas de natação do Luca, a aversão de Daniele em relação à escola. O que devo fazer? Bater-lhes ou fazer-lhes festas? Com a tua mãe já percebi que não posso contar. Em relação à minha, é melhor nem falar. Pepe, meu amor, que ideia foi a tua? Como é que vamos sobreviver sem ti? Sempre soube que eras preciosa. Agora sei como és indispensável. És a mulher da minha vida. Amo-te e estou pronto para tudo, se puder recuperar o teu amor. Dá-me notícias tuas, por favor.
Vou mandar esta carta em correio urgente. Quero que a recebas depressa.
Um beijo.
Andrea

P.S. 1
Esta noite o Luca teve uma crise de asma e tive de o levar à urgência. Agora está bem. O médico de serviço aconselhou-me a falar com um psicólogo, porque a sua perturbação é psicossomática, não fisiológica, e é causada pela relação problemática dos pais. Sabias disso?
P.S. 2
Quem é o Mortimer? Encontrei um maço de cartas dele. Nãoas li.
P.S. 3
Qualquer dia conto-te a história da Gemma. Acho que o facto de ter tentado esquecê-la me fez mal. Indirectamente, prejudicou-te também a ti e aos nossos filhos.